terça-feira, 20 de outubro de 2009

O auto dos baixos de minha vida.


Na bruma da noite, tomada pelo vinho
Contando pilhérias no bar para amigas
Amigas do ofício que fiz pelo caminho
Caminho infeliz de dar frio na barriga
Fazia o de sempre com trapos de linho
O meio de vida mais antigo, o de rapariga.


Rapariga não o era sonho de quem me pariu
Apesar de quase sempre por força do costume
Em ensejo raivoso mal dizê-la de forma hostil
Logo a aquela que do leite guardo o perfume
Perfume da linda dama que de maneira sutil
Fez-me ver o que há por atrás do alto tapume.


Agora que já sabem um pouco da minha vida
Sem mais delongas e atrasos conto o romance
Romance em que vivi da forma mais bandida
Naquele em que a vitima só tem uma chance
Ou escolhe a rotina ou a felicidade perseguida
No caso escolhi uma e terminei com outro lance.


Rapaz rico, bonito, que só andava elegante
Bom partido eu sei que era, só vendo o terno
Blusa de seda e botões de marfim de elefante
Além de tudo aparentava ser um sábio moderno
Freguês não era quem sabe talvez um amante.
De rosto másculo viril e com jeito bem paterno.


Com uma turba de canalhas e cortesãs
O conto de fadas veio em minha direção
Com o olhar perturbador de um titã
Acalmou-me logo com o estender de sua mão
Falou-me pra encontrá-lo bem de manhã
Ia me levar embora daquela vida de cão.


Em alguns meses já estava casada
Levando uma vida que ainda não reclamo
Todo dia o esperava da nossa sacada
E lá vinha ele, sempre com um belo ramo
O tempo passou e de linda virei recalcada
Seu nome raro é às vezes quando chamo
Pois trabalho até as mãos ficarem calejadas
Refiro-me a ele sempre como o grande amo
Pois agora não sou esposa e sim criada
Será que o amo é o que realmente eu amo?
Ou amo mesmo é essa vida privilegiada?
Fui puta, mas agora só em uma cama me esparramo.


Apanhava todos os dias, e tinha que ser muda
-Se abrir o bico, marco toda sua cara!
Era o que eu ouvia, quando pedia ajuda
Beijos, carinho e abraços era coisa rara
Ao invés disso eram socos e fortes bicudas
Não tinha filhos, porque ele jamais topara
Dizia que não queria ter uma criança nojenta e carnuda.


Cansei e numa das noites, minha vida resolveria
Armei-me de um punhal esperando o pior
Quando deu meia noite, seu passo se ouvia
Estava imundo e bêbado, porém veio só
Sem testemunhas e no silencio do escuro eu agiria
Dei sete golpes em suas costas de dar dó
Ele caiu morto na hora e só sangue era o que via.


O vizinho preocupado, a polícia chamou
Paralisada eu estava, olhando seu rosto
O silencio acabara, pois a sirene soou
Meu rendimento de longe foi proposto
Se naquele momento você acha que minha vida acabou
Engana-se neste argumento pressuposto
Pois me libertei, feliz finalmente estou


Chega de xingamento, mentira e ofensa
A dor se foi e minha alma respirava
Curei-me desta horrível doença
O auto-falante de fora gritava
Sabia que se saísse teria uma severa sentença.
Uma idéia surgiu enquanto a multidão se juntava


Com a mesma lamina, acariciei meu pescoço.
Um filme passava em minha cabeça
As lembranças daquele bonito moço
Que dizia amar a menina travessa
Minha vista escurecia e escutava um alvoroço
Pessoas que viram este conto as avessas
Em que fui por amor ao fundo do poço
A vida que eu queria de condessa
Na verdade só houve o esboço.


Uma mensagem a todos eu passo
Jamais chores pela pessoa que não te merece.
Há amores que te levam ao fracasso
Lágrimas derramadas, nunca se esquecem
Seu jeito e sua beleza distinta
Nunca devem receber menosprezo
Se tiver que um dia sentir, sinta!
Viva sua historia, sem ter medo como peso
Errei e erraria dez vezes ou trinta
Tive minha vida tragada em orgulho e desprezo
Agora que leu a historia que contei
Se perguntarem se fui feliz, não minta.
Só diga que no fundo, eu tentei.



Gabriel Hildenbrand

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